A azáfama era grande intramuros do castelo que emoldurava o azul da ria, separada do oceano por um cordão de areia dourada, lembrando a estes povos de origem árabe as paisagens da sua terra natal. Era Ibn Harun uma cidade portuária, próspera e muito bem guarnecida de muralhas, cidade importante do reino Al-Gharb e governado por um emir da dinastia almóada. Era este homem pai de uma bela donzela e de um menino que fazia a delícia de seus olhos, amaciando o comportamento guerreiro e rude, de quem está sujeito às leis da guerra e da governação.
No cimo da torre de menagem os vigias acompanhavam com olhar preocupado o serpentear das tropas cristãs, que dos lados da serra se aproximavam da cidade. As notícias que chegavam falavam de cidades e castelos que iam sendo tomadas com o avanço dos cristãos. Preparavam-se as defesas e quem podia sair da cidade tomava rumo para o reino de Marrocos, que outro caminho já não havia. Aos poucos os guerreiros lusos chegaram às portas do castelo e montaram arraial no largo que se expandia terra adentro, mais tarde chamado de S. Francisco. Eram fortes as defesas e forte também o desejo de defesa dos guerreiros almóadas. O teatro estava preparado para a confrontação. De um e de outro lado se preparavam as estratégias para a refrega que se avizinhava trágica.
No dia seguinte, caminhou o jovem enamorado até às portas onde se tinha dado o acontecimento fatídico, para ele incompreensível e inconsolável. Quando transpôs o portão viu um jovem assomar-se de um postigo na muralha e reconheceu o irmão de sua amada. Esperançoso perguntou:
- Que fazes aí? Onde está tua irmã?
Disse ansioso o jovem.
- Minha irmã e eu estamos encantados nestes muros.
Era triste o seu olhar, pálido o seu semblante.
-Quem vos fez semelhante ignomínia?
A voz alterosa mostrava a intenção de tomar justiça pela afronta.
-Meu pai, o emir. Soube através de seus espias dos amores de minha irmã convosco e de vosso encontro secreto e lançou-nos um encanto. Quando transpusermos os portões do castelo os nossos corpos transformam-se em fumo e intramuros deveremos viver.
-E até quando dura o encantamento?
Esperançosa era a intenção da pergunta que seu coração alimentava.
-Enquanto o Mundo for Mundo, aqui viveremos nestes muros. Épocas passarão e a lembrança de nosso infortúnio perdurará na lenda.
Desolado o jovem sentou-se entre os arcos dos portões, que mais tarde se chamaria Arco do Repouso.

Num revés a sua vida tinha perdido o tino. Fixava com olhar vazio os soldados que corriam Vila-a-dentro a tomar posse da cidade, Ibn Harun, mais tarde chamada cristãmente de Faro. Santa Maria de Faro, ainda hoje assim denominada e tornada capital do reino do Algarve.
Com a tomada da cidade de Faro, no ano de 1249 por Afonso III, ficou o reino do Algarve definitivamente em mãos cristãs e a reconquista iniciada em 1143 por Afonso Henriques terminara, delineando as fronteiras do reino de Portugal, que com poucas alterações, ainda hoje se mantém.
O nosso Algarve é pródigo em lendas mouriscas;
ResponderEliminare mouras encantadas!...
Tantas que minha mãe contava que se perdeu na memória... É bom lelas novamente!
Abraço de uma algarvia Célia Sousa