sábado, 4 de junho de 2011

Lendas Algarvias - A Lenda da Moura Floripes

No sítio do Moinho do Sobrado, havia antigamente uma casa, onde aparecia à janela, noite fora, uma formosa mulher vestida de branco.


O único que se atrevia a andar por aquelas bandas à noite era um sujeito de meia idade - o compadre Zé - que se embriagava e adormecia na rua, sem receio.


A mulher de branco aproximava-se do bêbado, fazia-lhe meiguices e até se sentava a seu lado.


O compadre Zé contava a sua história sem convencer ninguém a deslocar-se ao local para a comprovar. No entanto, o compadre Zé tinha um amigo mais jovem que se iria casar brevemente. Aproveitando-se do evento, promete ao amigo oferecer-lhe um seu terreno como prenda de casamento, caso ele tivesse a coragem de o acompanhar a ver o fantasma.

Este, transido de medo, lá foi à aventura, atendendo ao grande jeito que lhe fazia a prenda.

Sentou-se numa pedra, junto ao Moinho do Sobrado, e esperou pelas doze badaladas. Nesse momento surge da porta do Moinho uma mulher vestida de branco até aos pés. O vestido terminava numa bainha esfarrapada, a cobrir-lhe os pés descalços. A mulher aproximou-se com a face envolta num véu e uma flor nos cabelos loiros.

Julião, assim se chamava o amigo do compadre Zé, pergunta-lhe quem era e donde vinha.

- Sou a desditosa Floripes - respondeu, numa expressão triste.

- O que faz por aqui?

- Sou uma moura encantada. Quando a minha raça foi expulsa da província, viu-se o meu pai obrigado a partir, sem poder prevenir-me. Eu tinha um namorado que também fugiu e aqui fiquei sozinha, à espera a cada momento que o meu pai me viesse buscar. Numa noite em que esperava, vi ao longe a luz de uma embarcação. A noite era de tormenta e o barco escangalhou-se de encontro aos rochedos. Não era o meu pai que ali vinha: era o meu namorado, que foi engolido pelas ondas. Soube o meu pai deste funesto acontecimento e vendo que não lhe era possível vir buscar-me, encantou-me de lá.

Julião, penalizado com a triste história, logo pensou em oferecer-se para salvar a moura e perguntou:

— Existe algum meio de a salvar?

— Há sim - respondeu a moura.

— Que meio?

— É necessário que um homem me dê um abraço, à beira de um rio, e me fira no braço contíguo ao coração. Logo que tal aconteça, irei de imediato para junto dos meus familiares. Mas existe uma dificuldade.

— Que dificuldade - perguntou Julião, quase resolvido a ser o seu libertador.

— O homem que me abraçar e me ferir terá de me acompanhar até África, atravessar o oceano com duas velas acesas e casar comigo à chegada..

— Isso é que eu não poderei fazer. Já tenho casamento marcado com a minha Aninhas.

— Então continuarei novamente encantada – respondeu a moura soluçando – Até agora, ninguém se atreveu a tanto sacrifício!

A moura continuou o seu encantamento durante muito tempo ainda, sentada no cais com os pés na água, esperando o seu pai voltar de África. Era por vezes vista no cais, sempre de noite, a conversar com um menino de olhos grandes e com gorro encarnado. Seria o menino algum mouro que ali também ficou encantado? Ninguém sabe responder...

Alguns olhanenses mais antigos acreditavam tanto nesta lenda que diziam que a Floripes era vista também durante o dia a fazer compras em lojas, onde pagava com uma moeda de ouro e sempre desaparecia sem receber o troco. Ainda hoje, quando alguém por qualquer razão não recebe o troco, se diz "és como a Floripes, não queres a torna!".

A Floripes foi também a personificação do medo do transcendente. Quando se quer acautelar alguém, ainda se diz "vê lá se te aparece a Floripes!".

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